Opinião

Vertentes

Por Maria Alice Estrella
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Choro. Choro, sim. E choro muitas vezes.

Houve um tempo em que estrangular soluços e represar lágrimas era uma maneira de disfarçar emoções na pretensão de escapar a algum naufrágio. Couraça ineficaz e de pouca valia.

Como tão bem descreveu Raymundo Correa em seu soneto Mal Secreto: “Se se pudesse o espírito que chora/ ver através da mascara da face...”.

Pratica-se, como hábito assumido e costume adquirido, o ato de sufocar sentimentos. Vai-se empilhando, como se fossem folhas de papel, cada momento que nos fragiliza ou ameaça com o desaguar das comportas da alma, que atinge seus limites de represa.

E, sem muita coerência, em algum lugar do passado surgiu o medo de chorar. O choro passou a ser sinônimo de fraqueza.

No entanto, choro é rendição, é entrega, é vazão. Vazam no pranto as tristezas, os receios, as alegrias, as angústias, as decepções. Derramam-se pela face, como lavas de um vulcão, as emoções boas ou não.

O choro é a transpiração da alma. O movimento de exalar e inspirar o ar que escapa no formato de gotas cristalinas. Prefiro derramá-las a encerrá-las dentro do peito.

“Há uma lágrima sempre atenta em nossos olhos: branca, redonda, adamantina, pura”. (Luís Edmundo)
Tenho chorado mais frequentemente. Silenciosa e a sós com meus pensamentos.

Depois do choro, a pacificação de um amanhecer me acompanha sinuoso na idêntica liberdade de um pássaro cruzando o horizonte sem fronteiras. Livres meus olhos veem além e melhor, lubrificados com a dose de água derramada.

Choro em despedidas constantes e em descobertas surpreendentes. Choro na percepção da simplicidade e soluço no enfrentamento do mais complexo.

Deve ser meu lado de poeta que me faz chorar sem receio de parecer frágil porque, segundo as palavras de Guilherme de Almeida;

...“Quanta gente, que zomba do desgosto
Mudo, da angústia que não molha o rosto
E que não tomba, em gotas, pelo chão,
Havia de chorar, se adivinhasse
Que há lágrimas que correm pela face
E outras que rolam pelo coração!”

Prefiro que deságuem pelos olhos todas as lágrimas, inclusive as que rolam pelo coração porque os malefícios causados pelo que fica retido dentro do peito são os mais danosos.

Se as comportas dos meus sentimentos se congestionam aglomeradas no meu peito e machucam a alma, não me faço de rogada e deixo o pranto vir à tona. Que se rompam as comportas! Que se derramem em gotas minhas dores e meus pesares, minhas venturas e vitórias.

Arquivar lágrimas não é o meu forte. Deixá-las correr em vertentes libertas, sim. Nelas sou valente e guerreira pois que não me fragilizam, mas me revigoram.


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